segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Transmutação


Eler, meu irmão do coração!

_______________________________Júnior Eler

 A tal da falada. Calada. Da noite.
Cães ladram de madrugada roubando meu sono. Esqueço meu sonho, beijo a insônia e escuto o uivar da noite. Ela me conta segredos. Fala-me de baile de máscaras, muito vinho, champagne. Brindes. Tim-tim.

Vejo poeira, tilintar de moedas. Fósforos, cigarros. Pactos feitos à luz de isqueiros. Nossos heróis estão morrendo. Homens de pouca fé dominam o mundo.

Um poeta faz uma música convidando todos a fugir. Alguns vão. Os pianos velhos dos bares ainda tocam rock n’ roll. Mulheres seminuas requebram, sussurram no ouvido, embriagam com o cigarro, roubam pensamentos. Pessoas nas calçadas. Sentadas. Caídas. Becos escuros, ruas largas. Passos lentos. Algumas máscaras ficaram no caminho. Mas dançaram com o diabo à luz do luar e perderam a aposta. Alguns vão.

O morro tomou a cidade e vestiu terno. Tudo virou lama. Aparecem velas, pedem salvação ao salvador. Gritam, choram. Deuses jogam pôquer e se embriagam enquanto pensamos que o Universo gira em torno de nós. Pensamentos bailam. A vida não é um tabuleiro de xadrez gigante? Não somos as cartas da mesa de pôquer, onde o jogo é regado a bastante álcool? Somos ou não somos os devaneios – talvez um sonho – de algum louco jogado numa cela imunda e fedorenta de um hospício escroto? Nós somos deuses? Paranóias assaltam os homens.

  Coisas acontecem. O tempo todo...

Dou tiros no escuro, mato fantasmas. Desapareço na neblina. Escuto tambores. Vejo ases nas sombras. Meu Guardião faz a chuva parar para jogarmos cartas na única mesa seca do bar. Heróis renascem das cinzas. Eu havia abandonado meus anjos e demônios. Tribos dançam em volta de fogueiras. Sempre. Acordam com sede de sexo na madrugada, bebem vinho. Bebem sangue. Saúdam o dia e vão dormir.

O sistema insiste. Abrem-se universos paralelos, a noite contou. Vendem lotes no céu, te mandam para o inferno. Condenam sua alma ao limbo. É um tormento procurar os donos das plaquinhas que informam esta semana estamos trabalhando internamente. O risco era zero. Vejo a ignorância engolir a sabedoria do sábio que pensava que sabia.

Bons ventos pintam meu cabelo de prata...

Uma boa lavadeira lava notícias da noite. Decifra o mapa que leva ao pote e ouro. Duende desgraçado! Os líderes continuam dando choques, não conseguem mais disfarçar o cheiro de enxofre. Soltam bombas. Dados são jogados em cinzeiros sujos. Vinho do dia anterior. Cerveja quente. Um versículo que todos decoram. Mendigos que esmolam. Caos que assanha a noite. Estranha.

Tento não deixar as coisas perderem o sentido. Palavras ditas são descritas com dupla, tripla interpretação pelos ignorantes que dão socos fortes no ar, na mesa do bar, do lar. Sorrisos e gritos sinistros. Dentes rangendo. Lágrimas contidas. É chegada a hora de partir.

Heróis também morrem. Guerreiros também choram...

Ratos rasgam carne humana. Mentes doentias profanam terras desconhecidas. Flores deixam de ser colhidas em jardins sagrados e o inverno consolida o frio em almas perdidas. Nos telões decadentes de cinemas abandonados passam filmes antigos gravados em dias cinzentos. Cometas, gametas, planetas. Nada mais faz sentido.

Egos são massageados com um pouco de poder. Apenas um pouco. Há cheiro de hipocrisia, pó e álcool no ar. A água virou lama, o vinho agora é vinagre que queima gargantas secas de tédio e ócio. O caos dita a sua filosofia. É o inferno. Alguns vão. Bocas são costuradas com pouco dinheiro – apenas um pouco – em troca de uma rápida pausa no pesadelo. Passageiros clandestinos passeiam em busca de luz. Parasitas vagam sem destino, procurando um corpo menos sujo para se hospedarem.

Aplausos calorosos atirados a esmo arrebatam os que estão no palco. Olhos curiosos procuram sorrisos satisfeitos na multidão e encontram apenas gestos subservientes. Num piscar de olhos todos viram juízes, júri, executores. O parque de horrores não quer chegar ao fim. Pistas seguidas à risca trazem de volta as mesmas dúvidas.

Descubro a diferença que míseras vírgulas fazem no cotidiano do sábio, que pensava, que sabia...

Fecho os olhos e ignoro o entrevistado falante. Tudo fica cinza. Ele vai-se calando, falando baixo até ficar mudo. Meu gravador me diz, depois, que o trabalho foi feito. Mas como, se eu não estava lá? Olho o espelho e me vejo vestido com a roupa da ingenuidade. Não é preciso estar lá. Meu Guardião me conta que o círculo foi concluído. Ele fala sobre linhas do Universo Paralelo. Vôos na velocidade da luz. Eu vou.

De longe, muito longe, percebo que os porcos não param de cair, mas a lama não resvala mais em todos. Os náufragos não dormem esperando que a chuva caia. Mulheres dançam para a Lua, ainda existe magia. Senhoras bondosas preparam café quente e forte para os navegantes. Emprestam colchas de lã da família para esquentar homens sedentos por calor.

Ouço tambores me chamando pra aldeia...

Jogo facas no asfalto, sinto as farpas de um assalto. Vejo cartas com muitas marcas. Do alto, perto do rio novo, limpo os olhos no horizonte. Apuro meus ouvidos, me despeço do perto. É perto. É Lua Azul, uma noite me contou Rato Blue. Acontece a simbiose.

Escrevo cartas para meu legado...

Esqueço de cadeiras cativas em ônibus lotados, caminhos certos. Errados. Passaportes falsos para o nada. Esqueço de notícias que nunca chegam, de paranóias que não se vão. Tribos continuam acendendo incensos, queimando velas, fazendo aviões e flores de papel. Dançando. Olhares trocados. Palavras que serão escritas. Descritas. Tudo fez sentido. Acredito em predestinação. Ressurreição. Transmutação. Alguns vão. Outros ficam. Assistem a trilogia. Vivem. Talvez em busca de sinais.
Sinais vitais.



No post “Exercer para Exigir”, meu irmão Jornalista, Júnior Eler, pediu que eu publicasse o “Transmutação”. Por email, ele pediu que eu não modificasse a forma ‘paragrafal’, linhas e afins, porque faz parte da essência da parada. E assim atendi.
É lindo ler e sentir cada linha e entrelinha que ele escreve. Ele tem o dom da palavra que nos dá imaginação.
O cara é foda, eu sei! Sei também que fico daqui, cheia de orgulho...

2 comentários: